sábado, 27 de junho de 2009

Episódio 1 - O primeiro NERD: traduzindo a beleza da Natureza

"Vamos supor: você é, pela graça de Deus, Vitória, rainha do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda, defensora da fé, na era mais próspera e triunfante do Império Britânico. Os seus domínios se estendem pelo planeta. O mapa-múndi está todo salpicado com o rosa britânico. Você governa a principal potência tecnológica do mundo. A máquina a vapor é aperfeiçoada na Grã-Bretanha, em grande parte por engenheiros escoceses - que fornecem o conhecimento técnico necessário nas ferrovias e nos vapores que ligam todo o Império.

Vamos supor que no ano de 1860 você [a rainha Vitória] tem uma idéia visionária, tão ousada que teria sido rejeitada pelo editor de Júlio Verne. Você quer uma máquina que transporte a sua voz, bem como imagens em movimento da glória do Império, para dentro de cada casa do reino. Além disso, os sons e as imagens não devem passar por condutos ou fios, mas vir pelo ar - para que as pessoas possam receber mensagens inspiradoras instantâneas, destinadas a assegurar a lealdade e a ética no trabalho. A palavra de deus também poderia ser transmitida pela mesma invenção. Sem dúvida, outras aplicações socialmente desejáveis seriam encontradas.

Assim, com o apoio do primeiro-ministro, você reúne o gabinete, o estado-maior imperial e os principais cientistas e engenheiros do Império. Você vai alocar 1 milhão de libras para esse projeto, é o que lhes comunica - muito dinheiro em 1860. Se precisarem de mais, é só pedir. Você não quer saber como eles vão criar o mecanismo; que o inventem tão-somente. Oh, sim, vai ser chamado de Projeto Westminster.

Provavelmente, algumas invenções úteis emergeriam de todo esse empenho - "produtos secundários". Eles sempre aparecem, quando se investem imensas somas em tecnologia. Mas o Projeto Westminster fracassaria com quase toda certeza. Por quê? Porque a ciência subjacente não fora desenvolvida. Em 1860, o telégrafo já existia. Podiam-se imaginar, a um custo muito elevado, aparelhos de telegrafia em cada lar, as pessoas fazendo pontos e traços para enviar mensagens em código morse. Mas não era isso o que a rainha queria. Ela tinha em mente o rádio e a televisão, mas eles estavam muito fora de alcance.

No mundo real, a física necessária para inventar o rádio e a televisão viria de uma direção que ninguém poderia ter previsto.

James Clerk Maxwell nasceu em Edinburgh, na Escócia, em 1831. Com dois anos de idade, descobriu que podia usar um pedaço de lata para fazer a imagem do Sol ricochetear na mobília e dançar contra as paredes. Quando seus pais chegaram correndo, ele gritava: "É o Sol! Eu peguei o Sol com o pedaço de lata!". Na sua infância, ele era fascinado por insetos, larvas, pedras, flores, lentes, máquinas. "Era humilhante", lembrou mais tarde sua tia Jane, "ouvir tantas perguntas que não se conseguia responder de uma criança assim".

Naturalmente, quando entrou para a escola, ele já era chamado "Dafty" - sendo daft uma expressão britânica para quem não é bom da cabeça. Ele era um jovem excepcionalmente bonito, mas vestia-se com desleixo, procurando antes o conforto que a elegância, e seus regionalismos escoceses no modo de falar e na conduta eram objeto de zombaria, especialmente depois que entrou para a universidade. E ele tinha interesses peculiares.

Maxwell era um nerd."
Carl Sagan, O Mundo Assombrado pelos Demônios - 1996

O que a rainha Vitória queria era uma tecnologia capaz de transmitir sinais à distância pelo ar. Hoje se faz isso usando ondas de rádio que carregam sinais de televisão, rádio, internet, gps etc. Essas ondas de rádio são exatamente idênticas às ondas luminosas que nossos olhos conseguem enxergar, exceto pela sua frequência.

A luz que vem do Sol, das lâmpadas elétricas, do fogo, da tela do computador e que reflete nos objetos nos permitindo ver o que nos cerca, possui a mesma natureza eletromagnética que compõe as ondas de rádio, as microondas, os raios ultravioleta (UV que causam câncer de pele) e infravermelhos e até os raios-x: tudo isso é luz. Só que nossos olhos não possuem células capazes de enxergar luz em frequências além das ditas visíveis (obviamente).

Mas por que se usa ondas de rádio para enviar sinais de TV e rádio e emitir pulsos de radar? Porque as ondas de rádio possuem frequências baixíssimas (longos comprimentos de onda) e quanto maior o comprimento da onda, maior o seu alcance.

Essa noção de que a eletricidade e o magnetismo se unem para formar a luz foi uma das inúmeras contribuições de Maxwell para o conhecimento científico. Ele não tinha interesse em descobrir particularmente a natureza da luz. Estava apenas curioso por entender como a eletricidade gera magnetismo e vice-versa. A curiosidade de um cientista (de um NERD!) foi mais que suficiente para resolver o problema que tornou os milhões de libras e os melhores engenheiros da rainha completamente impotentes.

Maxwell compilou o conhecimento produzido pelo físico dinamarquês Hans Christian Örsted sobre o fenômeno da indução magnética e as descobertas do físico inglês Michael Faraday que complementavam as experiêcias de Örsted produzindo indução elétrica. O nerd primordial conseguiu sintetizar tudo o que era conhecido sobre eletricidade e magnetismo na sua época (acrescentando suas próprias correções) e escreveu as suas famosas quatro equações:


São necessários alguns anos de estudo de física e matemática para entender realmente estas equações, mas para o propósito desse post, basta que o leitor saiba preencher as lacunas.

Faça-se saber que E representa o vetor campo elétrico e B representa o vetor campo magnético.

A primeira das equações acima se chama lei de Gauss e diz que a divergência do campo elétrico é igual a densidade de carga envolvida por uma tal superfície chamada superfície gaussiana. Em outras palavras, uma carga elétrica gera um campo elétrico. Esta equação praticamente define a divergência. A divergência pode ser entendida como um operador que mede a intensidade da fonte geradora de um campo. No caso da lei de Gauss esse campo é o campo elétrico. Tente atravessar essa conversa matemática, caso você não tenha treinamento nessa área: se eu tiver alguma competência como escritor, vai valer a pena daqui a pouco.

Perceba o primeiro sinal de assimetria entre a eletricidade e o magnetismo. A segunda equação afirma que a divergência do campo magnético é SEMPRE nula. Ou seja, o campo magnético SEMPRE é gerado por uma fonte "positiva" (que você pode chamar de pólo positivo ou norte magnético) acompanhada por uma fonte "negativa" (pólo negativo ou sul magnético). Ambos se juntam e resultam em divergência nula. Se você pegar dois ímãs e aproximá-los de uma forma conveniente, vai perceber que algumas regiões vão se atrair e outras vão se repelir. Isso acontece porque o campo magnético é gerado no ímã da maneira descrita pela lei de Gauss para o magnetismo: as cargas magnéticas ao contrário das elétricas, só acontecem aos pares. Mesmo que você quebre um ímã ao meio, o resultado será dois ímãs, cada um com um pólo positivo e um negativo.

A terceira equação é chamada equação de Maxwell-Faraday e afirma que a variação de um campo magnético (representada à direita da igualdade) implica na indução de um campo elétrico.

Na quarta equação, chamada de lei de Ampère-Maxwell, pode-se perceber o segundo sinal de assimetria. Ela determina que o campo magnético pode ser gerado de duas formas: através do fluxo de elétrons, também chamado de corrente elétrica (representada pelo termo J) ou através da variação do campo elétrico (o último termo à direita, acrescentado por Maxwell), como ocorre na equação anterior.

O que se conclui dessas equações, se as compararmos de maneira ingênua, é que não existe um termo de densidade de carga magnética nem de corrente magnética. Em outras palavras não existe carga magnética. As unidades geradoras do magnetismo, como eu já falei antes, só aparecem em pares: os chamados dipólos.

Então eu pergunto: o que podemos fazer para tornar simétricas as equações de Maxwell? Afinal a Natureza não cansa de mostrar sua afinidade inesgotável pelas simetrias. O que acontece se inserirmos à mão um termo de densidade de carga magnética e corrente magnética, dessa forma:



Aí aparecem alguns constantes diferentes porque essas equações estão escritas em um sistema de unidades diferente, mas isso não muda em nada o fenômeno que elas descrevem.

Estas são as equações de Maxwell na presença de MONOPÓLOS MAGNÉTICOS (oh yeah baby!). São perfeitamente simétricas se trocarmos E por B, salvo por algumas constantes (mas vou evitar o detalhe matemático) como era de se esperar. Se existirem cargas magnéticas isoladas, como os elétrons e prótons existem na eletricidade, essas são as equações que descreveriam o eletromagnetismo. Perceba que elas são invariantes por transformações de Lorentz como as equações originais, portanto descrevem a física de referenciais inerciais em movimento relativo.

Mas e daí? Ora, Eduardo, você me mostrou que os monopólos magnéticos são um requisito estético na teoria eletromagnética. É assim que se faz física? Se for bonito, é só colocar à mão?

Ahá. Claro que não caro leitor. No próximo post eu vou falar como os monopólos podem ter surgido quando o universo jovem e homogêneo sofreu uma quebra espontânea de simetria SO(3) e se transformou na maravilhosa bagunça heterogênea que é hoje (heterogeneidade da qual nós somos fruto direto). Também vou falar em outros tipos de defeitos topológicos e nos conceitos geométricos envolvidos (são interessantes). Quem sabe um dia eu chego nas viagens no tempo.


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Link: Artigo de 1861 onde Maxwell deriva suas equações.

Apêndice:

As equações de Maxwell não descrevem a luz só porque os físicos querem e dizem que é assim. Não vou reproduzir os cálculos por razões óbvias (não tenho a intenção de catalogar aqui conhecimento acadêmico), mas todo aluno de começo de curso sabe fazer isso: se você tomar o rotacional das equações de Maxwell-Faraday e Ampère-Maxwell depois substituir as equações de Gauss, usando também a relação para o rotacional do rotacional, chega-se nas seguintes equações:
\Bigg(\nabla^2  - { 1 \over {c}^2 } {\partial^2 \over \partial t^2} \bigg) \mathbf{E} \ \ = \ \ 0
\Bigg(\nabla^2  - { 1 \over {c}^2 } {\partial^2 \over \partial t^2} \bigg) \mathbf{B} \ \ = \ \ 0
Que são equações de onda para os campos eletromagnéticos e descrevem o comportamento da luz. Esse resultado FENOMENAL é fruto da curiosidade e do talento sem precedentes de James Clerk Maxwell, o primeiro nerd.

terça-feira, 23 de junho de 2009

Série: das equações de Maxwell às viagens no tempo

Como os biólogos insistem em dizer, somos macacos. E como macaco vou COPIAR. Vou iniciar minha primeira série, a tão prometida sequência de posts que vai falar sobre as equações de Maxwell: o conjunto maravilhosamente funcional e elegante de equações organizadas e corrigidas por James Clerk Maxwell (the ultimate NERD) no meio do século XIX.

As equações sugerem a existência de um objeto chamado monopólo magnético, o análogo à carga elétrica para campos magnéticos. Este objeto é um defeito topológico.

Vou falar sobre outros tipos de defeitos topológicos e sobre "topologia" em si: o conceito de métrica, geometria, as formas como estes conceitos abstratos se manifestam no universo e como falhas nessa estrutura representam fenômenos incríveis, dentre eles a viagem no tempo.

Percebam que eu gosto de falar em viagem no tempo. Sim, isso atrai os leitores. Mas tenha em mente que pra mim (e pra qualquer físico sério), a viagem no tempo é o elo perdido (foi mal Waltécio), o santo Graal da física. Nada que deva ser levado a sério, hehehe... Pelo menos por enquanto, durante a pré-adolescência da espécie humana.

Vivemos uma época onde a tecnologia apenas começa a se desenvolver e portanto temos pouco ou nenhum controle do que acontece no nosso planeta. Muito menos dos fenômenos que acontecem entre os titãs magníficos do universo: estrelas, buracos negros, galáxias, nebulosas etc. Para dizer a verdade, temos muita dificuldade em visitar a nossa Lua (em geral isso requer os especialistas mais competentes do mundo, a melhor tecnologia disponível e MUITO dinheiro) e a nossa Lua está praticamente ali ao lado. Para dizer uma verdade ainda maior, estamos descobrindo que temos dificuldade até em sobreviver na Terra sem se auto-destruir. Portanto, manipular supostos defeitos topológicos que aconteceriam num universo densamente energético e usá-los para viajar no tempo (vamos entender isso melhor em seguida) parece fora de questão, então devemos nos concentrar em fazer física séria e benéfica para a humanidade. "Infelizmente" é muito divertido estudar física teórica.

Dessa forma, concluo essa introdução deixando uma opinião pessoal que me fez, desde muito cedo, averso à religiosismos, superstições e ao sobrenatural: o universo real é infinitamente mais bonito e interessante que aquele universo confeccionado na cabeça das pessoas. Vou deixar isso claro nos próximos posts.