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terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Deus, big bang e a constante cosmológica

Eu sou agnóstico. No sentido de "a-", o prefixo de privação, anteposto a "gnostos" que significar saber, conhecimento. A quantidade de conhecimento que possuo é irrelevante.

Mas também sou agnóstico no sentido mundano do termo. Meu cérebro funciona através de processos puramente racionais quando está determinando o que é fato e o que não é. Portanto não vejo muito sentido em desperdiçar tempo para se tentar descobrir se deus existe ou não. Algumas pessoas acham que não se sabe definir deus, outras acham que deus está no plano do sublime, do etéreo, do angelical e a ciência, como representante da nossa capacidade de saber e entender, está no plano do material, do natural, portanto não é possível usar de experimentação ou lógica para determinar a existência ou não de qualquer entidade divina.

A existência de divindades tem sido uma maneira encontrada pela espécie humana para explicar os mistérios da natureza desde que pintamos pela primeira vez na parede de uma caverna. E quando as primeiras centelhas de racionalidade (no sentido moderno) começaram a aparecer entre os homens, surgiram os tais argumentos, supostamente lógicos, que "provavam" (ou não*) que deus existe. Os mais famosos são, provavelmente, o argumento ontológico e o argumento do desígnio.

O argumento ontológico de Santo Anselmo determinava que

  • [...] se é possível conceber um ser perfeito, ele deve existir—pois não poderia ser perfeito sem acrescentar a perfeição da existência. Esse [...] argumento [...] foi atacado, mais ou menos prontamente, em dois campos: (1) Podemos imaginar um ser absolutamente perfeito? (2) Será óbvio que a perfeição é aumentada pela existência? Para um ouvido moderno tais argumentos pios parecem tratar de palavras e definições, e não da realidade externa.
Sagan, Carl. Broca's Brain, 1982


Já o argumento do desígnio penetra mais profundamente em assuntos que dizem respeito aos fundamentos da ciência e determina que se a Natureza parece ser formada por máquinas à semelhança das máquinas que nós criamos, então o mundo deve ter sido criado por um criador à nossa semelhança:

  • Look around the world: Contemplate the whole and every part of it: You will find it to be nothing but one great machine, subdivided into an infinite number of lesser machines… All these various machines, and even their most minute parts, are adjusted to each other with an accuracy, which ravishes into admiration all men, who have ever contemplated them. The curious adapting of means to ends, exceeds the productions of human contrivance; of human design, thought, wisdom, and intelligence. Since, therefore the effects resemble each other, we are led to infer, by all the rules of analogy, that the causes also resemble; and that the Author of nature is somewhat similar to the mind of man; though possessed of much larger faculties, proportioned to the grandeur of the work, which he has executed. By this argument a posteriori, and by this argument alone, do we prove at once the existence of a Deity, and his similarity to human mind and intelligence.
Hume, David. Dialogues Concerning Natural Religion, Part II-143, 1854


Em seguida Hume submete esse argumento a um ataque devastador, como fez depois dele Immanuel Kant, o que não impediu que a idéia do desígnio [design] continuasse sendo popular nos primeiros anos do século XIX, como por exemplo nos trabalhos de William Paley:

  • Não pode haver desígnio sem designador; plano sem planejador; ordem sem escolha; arranjo sem arranjador; subordinação em relação a um propósito sem algo que possa ter esse propósito; meios adaptados a determinado fim, executando sua tarefa no sentido de realizar tal fim, sem que este tenha sido contemplado, ou que os meios se tenham ajustado a ele. Arranjo, disposição de partes, subordinação dos meios a um fim, relação dos instrumentos a um uso, tudo isso implica a presença de inteligência e mente.

Essa é a famosa idéia do criador relojoeiro**, e não foi até o desenvolvimento da ciência moderna e da teoria da evolução através da seleção natural de Charles Darwin e Alfred Russel Wallace em 1859, que esse conceito aparentemente plausível foi definitivamente refutado.

Como cientista, eu deveria defender a idéia de usar a ciência como meio para entender TODOS os mistérios do universo, por mais religiosa que pareça esta prática. Mas como agnóstico, eu não tenho muito interesse nessa mistura de metafísica e ciência, que tem se mostrado ineficiente perante o teste da história.

O próprio religioso (exceto pelos criacionistas) tem o hábito de rebaixar as pessoas e eventos que considera sagrados, como se fossem parte de um passado intangível. Não só um passado distante, mas um "long time ago in a galaxy far away", ou um passado como aquele onde se passam as histórias de J.R.R. Tolkien. A ciência que hoje é ampla e abertamente aceita por todos na forma de tecnologia e medicina, não tinha validade alguma quando dos acontecimentos descritos nos livros sagrados. Mas de alguma forma esse mundo mágico se modificou e se transformou no que conhecemos hoje: um mundo material regido pelas leis da física.

Quando Einstein publicou a sua teoria da relatividade geral, chegou a conclusão de que o universo não poderia ser estático. Como não conseguia aceitar um universo em expansão ou contração, Einstein propôs a equação de campo modificada:



Que contém o termo com a constante , chamada constante cosmológica, que seria responsável por contrabalancear a ação da gravidade, tornando o universo estático. Teorias mais recentes voltaram a considerar a constante cosmológica como forma de incluir a matéria escura, mas no final da década de 20 a constante cosmológica se tornou uma idéia ridicularizada, com o advento da idéia de que o universo está em expansão e evoluiu a partir de um átomo primitivo, sugerida por Georges Lemaître, um astrônomo, físico e padre católico.

Esta concepção foi confirmada alguns anos depois por Edwin Hubble e o papa Eugenio Maria Giuseppe Giovanni Pacelli (Pio XII) anunciou em um discurso na Pontifícia Academia de Ciências em 1951 que a teoria do universo em expansão e do átomo primordial era uma prova da existência de deus e da criação descrita no gênesis. Apesar de ser um padre, Lemaître era um cientista de verdade e ficou bastante irritado com a confusão feita pelo papa.

Como espécie tendemos a achar que somos especiais, talvez únicos. Que a Natureza gira em torno do nosso umbigo. Mas somos apenas um piscar de olhos na história do universo, um bater de asas na história do planeta Terra. Estamos apenas aprendendo a pensar e a lidar com nossa fragilidade e nossa necessidade de buscar a verdade seja da maneira fácil ou da maneira correta. Precisamos do conforto espiritual ao nos confrontarmos com o derradeiro fracasso evolutivo (algo que somos programados para evitar): a morte como o cessar dos sentidos e das funções fisiológicas.

Todas essas tentativas de justificar as fraquezas da nossa espécie não são suficientes para mudar o fato de que deus se trata apenas de uma hipótese inútil.


___________________________________
* Uma das manifestações do argumento ontológico de Santo Anselmo é o da existência necessária:
  1. Deus é a entidade mais grandiosa que se pode conceber;
  2. ser necessário é mais grandioso do que não ser;
  3. portanto, deus deve ser necessário;
  4. então deus existe, necessariamente.
Um dos ataques à declaração acima veio do filósofo Douglas Gasking na forma do argumento da não-existência necessária:
  1. A criação do mundo é a maior conquista imaginável;
  2. o mérito de uma conquista é o produto de (a) sua qualidade intrínseca e (b) a habilidade daquele que a desempenhou;
  3. quanto maiores os defeitos (ou deficiências) do criador, mais impressionante é a conquista [subir uma escada, por exemplo, é uma conquista muito mais impressionante se você está numa cadeira de rodas];
  4. o mais formidável defeito que um criador poderia ter seria a não-existência;
  5. portanto, se supusermos que o universo é produto de um criador existente, então seria possível conceber um ser mais grandioso—por exemplo um criador que não existisse;
  6. logo, deus não existe.
** Paley argumentava que a complexidade dos seres vivos implicava na existencia de um criador, assim como a complexidade de um relógio implica na existência de um relojoeiro. Em 1986 Richard Dawkins publicou O Relojoeiro Cego que usa a evolução através da seleção natural para explicar como veio a surgir a complexidade nos animais. Também explica que, ao contrário do relojoeiro que planeja a construção do relógio, a evolução é um processo não planejado, portanto, se houvesse um criador relojoeiro ele deveria ser cego.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

God, the Universe and Everything else

Acabo de descobrir esse colóquio magnífico, chamado God, the Universe and Everything Else ("Deus, o Universo e Tudo o mais"). Desculpem a minha ignorância, mas nunca tinha ouvido falar nele. Acho que já deixei claro que sou "fã" de Carl Sagan. Além disso, ser nerd implica em uma afinidade por Arthur C. Clarke (autor da série de livros Odisséia no Espaço). E como físico, além de nerd, claro que eu respeito profundamente o Stephen Hawking.

Agora imagine você que juntaram esses três camaradas numa conversa de pouco mais de uma hora, falando sobre as coisas demi-importantes da vida...

Vi esses vídeos aqui e não pude deixar de copiar. Senhoras e senhores, lhes apresento a vela no escuro, a chama que dança impetuosa e inexoravelmente no mar negro da ignorância e da pseudo-ciência:

Parte 1:



Parte 2:



Parte 3:



Parte 4:



Parte 5:



Parte 6:



P.S.: A tradução está relativamente pobre em algumas partes, mas nada que atrapalhe o entendimento da conversa.

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Você tem a coragem de ser um cientista?

Enfrentar um problema científico é uma batalha que pode ser bastante injusta. Como Newton disse, e hoje acho que isso é ainda mais válido, estamos "sobre os ombros de gigantes". Newton se referia a Copérnico, Galileu, Kepler, Tycho Brahe, etc... E esses caras realmente foram pioneiros geniais, corajosos [lembre que naquela época o conhecimento científico podia significar vida ou morte, como é mencionado em uma das letras do Haggard sobre Galileu:


Per aspera ad astra... Nunca foi tão difícil trilhar o caminho para o firmamento intelectual onde brilham as estrelas das idéias desses mártires.

Mas hoje os gigantes estão ainda mais altos e para nós humildes estudantes já são colossos inalcançáveis e seguir seus passos requer coragem. É por isso que eu digo que a frase de Newton é ainda mais significativa nos dias atuais. O conhecimento adquirido por aqueles antigos fundadores da ciência, para um aluno mediano, já soa quase como infantil. Mesmo as teorias bem estabelecidas do começo do século XX já são infinitamente mais complexas e isso sem precisarmos recorrer às modernas candidatas a teorias de unificação praticamente ininteligíveis mesmo para o físico mais dedicado.

Então voltamos à minha afirmação inicial de que abordar um problema físico pode significar embarcar numa jornada difícil. Mesmo com o background que os gigantes do passado nos fornecem, nos vemos diante de algo consideravelmente mais grandioso e intrincado: a Natureza. Como ousam os simples homens-macaco adoradores de bananas [como gosta de apontar meu colega Waltécio] tentar desvendar os mistérios da faceira e traiçoeira mãe Natureza? Isso requer coragem e maturidade. Immanuel Kant disse:

  • Enlightenment is man's emergence from his self-incurred immaturity. Immaturity is the inability to use one's own understanding without the guidance of another. This immaturity is self-incurred if its cause is not lack of understanding, but lack of resolution and courage to use it without the guidance of another. The motto of enlightenment is therefore: Sapere aude! Have courage to use your own understanding!
'An Answer to the Question: What is Enlightenment?', (1784). In Hans Reiss (ed.), Kant: Political Writings, trans. H. B. Nisbet (1970), 54.

Sapere aude é uma expressão latina que significa "ouse saber" e essa é provavelmente a sua utilização mais famosa. Oh, caro Kant, gostaria eu de dizer que só me falta a coragem quando eu na verdade me encaixo na categoria que requer entendimento quando tento travar as batalhas propostas pelo meu orientador. Mas eu não sou um bom representante da minha classe, físicos tendem a ser competentes.

Carl Sagan espalhou o pensamento cético e científico com maestria, mas eu acredito, particularmente, que o que nos falta para construir uma sociedade mais elevada é uma boa dose de coragem e orgulho da parte daqueles que fazem ciência. Polanyi disse num discurso

  • [Intellectual courage is] the quality that allows one to believe in one's judgement in the face of disappointment and widespread skepticism. Intellectual courage is even rarer than physical courage.
'A Scientist and the World He Lives In', Speech to the Empire Club of Canada (27 Nov 1986) in C. Frank Turner and Tim Dickson (eds.), The Empire Club of Canada Speeches 1986-1987 (1987), 149-161.

Sofremos o preconceito diário das pessoas que nos cercam e às vezes até da nossa própria família por não termos usado a nossa inteligência para tarefas "mais nobres" como o exercício da advocacia ou da medicina e usamos doses extra de coragem e orgulho para enfrentar cada novo dia.

Pra quem já assistiu The Big Bang Theory, vale lembrar o diálogo entre Sheldon e a irmã:


-I want you to know I'm very proud of you.
-Really?
-Yeah, I'm always bragging to my friends about my brother the rocket scientist.
-You tell people I'm a rocket scientist?!
-Oh... Yeah...
-I'm a THEORETHICAL PHYSICIST!
-What's the difference?
-WHAT'S THE DIFFERENCE?! My God!!! Why don't you just tell them I'm a toll taker at the Golden Gate Bridge??! Rocket scientist... How humiliating...


Físicos são particularmente orgulhosos, mas isso deve valer para os outros tipos de cientistas [vou evitar o bairrismo aqui e não vou citar Rutherford: All science is either physics or stamp collecting] e ISSO é o que nos move através das adversidades que a sociedade E A NATUREZA nos impõem. Nós quebramos o código de deus (eca, falo sobre deus outro dia) e mesmo que isso não compre muitos carros de luxo ou mansões, é isso que nos separa dos animais. Não é a intencionalidade, a capacidade de usar ferramentas ou de se comunicar. Nós somos superiores porque somos ORGULHOSOS, porque olhamos para o céu com curiosidade e ansiedade, não mais com a contemplação boba e ignorante do macaco. Não imaginamos que o céu é um véu negro cheio de furos, mas tentamos imaginar qual seria a maneira mais inteligente de colonizar Titã.

Orgulhe-se, você faz ciência! Deixe que todos vejam isso!