sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

A simetria e os poliedros

A palavra simetria deriva do grego sun (que significa "com", ou "junto") e metron ("medida"), formando summetría, que originalmente denotava uma relação de comensurabilidade (significado usado por Euclides nos Elementos, e.g.). Rapidamente o termo adquiriu o sentido mais geral e abrangente de uma relação de proporção baseada nos números inteiros com a função de harmonizar deferentes elementos em um todo. Desde o princípio, a simetria esteve fortemente relacionada com a harmonia, a beleza e a unidade. E isso foi prova decisiva do seu papel nas teorias da Natureza.

No Timaeus de Platão, por exemplo, os poliedros regulares ocuparam lugar central na doutrina dos elementos naturais, as proporções que eles contêm e a beleza das suas formas: o fogo tem a forma do tetraedro regular, a terra tem a forma do cubo, o ar tem a forma do octaedro regular, a água tem a forma do icosaedro e o dodecaedro regular representa a forma de todo o universo. A história da ciência também fornece outro exemplo paradigmático do uso dessas figuras como elementos básicos da descrição física: o Mysterium Cosmographicum de Johannes Kepler apresenta uma arquitetura planetária baseada em cinco sólidos regulares.

De uma perspectiva moderna, as figuras regulares usadas na física de Platão e Kepler pelas proporções matemáticas e harmonias que elas contêm (e as propriedades e beleza relacionadas à sua forma), são também simétricas num outro sentido que não tem a ver com suas proporções. Na linguagem da ciência moderna, a simetria de figuras geométricas--como a dos polígonos e poliedros regulares--é definida em termos da sua invariância sob grupos específicos de rotações e reflexões. Além da antiga noção de simetria usada pelos gregos e romanos (até o final da Renascença), uma noção diferente de simetria emergiu no século XVII, baseada não em proporções, mas em uma relação de equivalência entre elementos opostos, como as partes esquerda e direita de uma figura. Essencialmente, as partes são permutáveis com respeito ao todo, preservando a figura original. Essa noção posterior se desenvolveu, após muitas etapas, até o conceito encontrado hoje na ciência. Uma etapa crucial foi a introdução de operações matemáticas específicas, como as reflexões, rotações e translações, usadas para descrever com precisão a forma como as partes permutam. Como resultado, chegamos a uma definição da simetria de uma figura geométrica em termos da sua invariância quando partes iguais são permutadas de acordo com uma das operações específicas. Então, quando as duas metades de uma figura bilateralmente simétrica trocam de lugar, recupera-se a figura original e a figura é dita invariante sob reflexão. Isso é conhecido como noção cristalográfica de simetria, pois foi no contexto do desenvolvimento da cristalografia que a simetria foi, pela primeira vez, definida e aplicada.

O próximo passo foi a generalização dessa idéia através da definição da teoria de grupos, que surgiu seguindo o desenvolvimento do conceito algébrico de grupo ao longo do século XIX, e o fato de que as transformações de simetria constituem um grupo. Por exemplo, a simetria de reflexão tem agora a definição precisa em termos da invariância sob um grupo de reflexões. Finalmente, há uma relação íntima entre a noção de simetria, equivalência e grupo--um grupo simétrico induz uma divisão entre classes equivalentes. Os elementos que são permutados pelas transformações de simetria são conectados por uma relação de equivalência, formando, então, uma classe de equivalência.

Apesar de a teoria de grupos ter se mostrado eficiente na ciência moderna, note que a simetria permanece ligada à beleza (regularidade) e unidade, no sentido de que os elementos distintos (mas "equivalentes") das transformações de simetria são relacionados entre si e ao todo, formando uma "unidade" regular. A forma como a regularidade do todo surge é ditada pela natureza do grupo de transformações em questão. Resumindo, uma unidade de elementos diferentes e equivalentes é sempre associada com simetria, seja no sentido moderno ou antigo; a forma como essa unidade é entendida e como os diferentes e equivalentes elementos são escolhidos determinam a simetria resultante e em que ela consiste.

Considerações acerca da simetria dominam a física moderna fundamental, tanto na teoria quântica quanto na relatividade. Mesmo os filósofos estão agora começando a prestar cada vez mais atenção em assuntos como a significância da simetria de gauge, da identidade de uma partícula quântica sob a luz da simetria de permutação, de como interpretar a violação de paridade, ou do papel da quebra de simetria. Esses assuntos remontam diretamente aos problemas tradicionais da filosofia da ciência, incluindo o status das leis da Natureza, as relações entre matemática, física teórica e o mundo e a forma como a matemática dita a física.

Para a física, além de representar a própria "definição" da beleza presente na Natureza, a simetria se mostra uma ferramenta muito poderosa (como mostra o teorema de Noether), senão essencial, quando se busca estudar determinados aspectos do universo. Essa idéia tão fundamental nos motiva a tentar compreender como e por que alguns sistemas quebram seus padrões de simetria.

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